terça-feira, 24 de maio de 2011

Vejam esse texto sobre o Consórcio das Universidades em Minas, de um professor da UFSJ,

Cenoura e chicote amansam universidades.




Em meados de 2010 vazou na imprensa a proposta do Consórcio de sete universidades do estado de Minas Gerais: UNIFAL (Alfenas), UNIFEI (Itajubá), UFJF (Juiz de Fora), UFLA (Lavras), UFSJ (São João del-Rei), UFOP (Ouro Preto) e UFV (Viçosa). A intenção, tratada pela imprensa de superuniversidade ou megauniversidade, visaria integrar e potencializar aquelas instituições. Então, o prazo dado era de 15 de outubro, que foi abandonado após algumas reações nas universidades. Agora, depois de um arrefecimento, a primeira reunião de 2011, realizada na Universidade Federal de Viçosa no dia 18 de abril, definiu as linhas gerais do projeto e a data limite para a adesão já para 17 de junho deste ano.



A idéia de integração, de pesquisas e cursos, com a mobilidade de professores, técnicos e estudantes, é sedutora. Pergunta-se, no entanto, se esse Consórcio, já chamado por alguns de “fusão”, é necessário para tanto. Para políticas de mobilidade não seria adequada uma política nacional, desenvolvida pela CAPES? E, nesse caso, por que restringir àquelas sete? Quanto a pesquisas e cursos de pós-graduação, não podem ser feitas caso a caso, respeitando a dinâmica de grupos e programas? É necessária, e útil, a criação de uma estrutura burocrática paralela, com um conselho gestor próprio e, como veremos, mais espaços físicos?



Algumas pretensões do Consórcio são quase infantis. Como a de que a mera soma dos patrimônios acadêmicos das sete universidades a alavancaria em rankings acadêmicos internacionais das “melhores universidades do mundo”. Uma pretensão que levou um jornalista que cobriu o tema a afirmar, não sem conversas com reitores, que “a tendência é [de] que as áreas de excelência de cada universidade sejam maximizadas a longo prazo, enquanto as de menos destaque sejam suprimidas”. Princípio justo, mas historicamente pobre, pois nega justamente a maturação das novas e expandidas universidades da região.



Mas, o que encantou o MEC no pretendido Consórcio? A perspectiva de “otimização de recursos”, com o a “possibilidade de mais investimentos, com menos despesas”. É louvável que se busque eficiência com os recursos existentes, oxalá outros o fizessem. Mas soa estranho quando se somam tarefas onde há tantas carências e que se imagine que tal estrutura burocrática é que venha a proporcionar tal racionalidade. Mas o que preocupa é a imbricação dos gastos. A esse respeito, o alto burocrata do MEC, Samuel Feliciano afirmava, já em outubro de 2010, que “a distribuição de verbas ainda não está definida e dependerá da estrutura que for adotada”. Estrutura do Consórcio? Ou das universidades? É justo e eficaz que se confundam?



Lembre-mos que as universidades envolvidas, como outras federais no país, vivem um grande e recente processo de expansão, de novos campi e cursos. Para os quais já faltam recursos, como prédios, laboratórios, pessoal etc., e apresentam dificuldades, naturais, de integração dos novos professores, técnicos e alunos, novos grupos de pesquisa, cursos e demais projetos. Muitas vezes trazendo à tona condições que se mostram pouco profissionais e democráticas naquelas instituições. Será o Consórcio, uma forma de acirrar uma competição autofágica entre as sete co-irmãs, para contornar as despesas inevitáveis dessa expansão pouco planejada, sob a rubrica de “otimização de recursos”?





Segundo o encontro de Viçosa, o MEC disporá um orçamento de R$ 20 milhões, 350 bolsas destinadas à mobilidade acadêmica e possibilidades de auxílio complementar para alunos carentes, 175 bolsas para a Assistência Estudantil, 35 bolsas de mobilidade docente e 70 bolsas para professores visitantes, 35 bolsas para a mobilidade e outras para qualificação em cursos de pós-graduação para técnicos das universidades e 140 bolsas de mobilidade para alunos de pós-graduação.

Esses recursos, já necessários ou desejáveis naquelas instituições, não são, para as sete, tão impressionantes. Tornam-se extraordinários na extravagância do Consórcio.



Por que não apenas prover os recursos das universidades expandidas, e deixa-las consolidar-se autonomamente, no ritmo e características próprias das atividades acadêmicas? Sob a avaliação, mas não a condução, do MEC. Temos aqui, além do fato de que cumprir com a obrigação de prover o que foi criado prescindir de apelo político, o segundo encanto do Consórcio para o MEC. A reunião de Viçosa reafirma a criação de “áreas estratégicas” que nortearão programas de pesquisa, com foco em “inovação e empreendedorismo”. Chega-se mesmo a apontar a de “energias renováveis e bioenergia”. Assim, a pesquisa e a pós-graduação sofreriam interferência do Consórcio. Um grupo ou comissão de pró-reitores seria encarregado da criação de um Centro de Estudos Avançados e seria implementada uma “política de inserção internacional para os cursos de pós-graduação”.



Em notícia publicada no Portal do MEC, em 23 de maio, aponta-se o município mineiro de Caxambu como provável sede administrativa do Consórcio, além de espaço a receber um centro de excelência internacional em pesquisa. O curioso é que a integração de sete universidades, com sedes em sete municípios e espalhadas por outros tantos, busque um município excêntrico tanto a suas administrações quanto a suas capacidades instaladas de pesquisa. Parecem “ciúmes” de que uma delas seja a sede do consórcio, mais do que a integração alardeada, e uma dispersão de esforços e duplicidade de investimentos, mais do que a cooperação e a eficiência acadêmica sinalizadas.



Avança-se também na intervenção sobre as graduações das consorciadas. Com a criação de um Núcleo de Estudos Pedagógicos, que discutirá a forma de ingresso na universidade, evasão e retenção discente, sistema de avaliação, normas e o controle acadêmico e projetos pedagógicos dos cursos. Fala-se apenas em encontros para discussões, mas, somadas as distâncias, a incontornável assimetria e isolamento dos colegiados das sete instituições e as pressões do MEC, temos uma forte tendência de intervenção na dinâmica interna dos cursos. Lembremos que algumas dessas questões são caras ao MEC, tais como o ENEM, os 90% de aprovação exigida pelo REUNI e as ações afirmativas.



Também são apontadas “ações de cunho social e educativo em cidades com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que englobam o raio de localização das universidades”. Ações como o “Corredor Cultural” ou uma “rede de extensão cultural”, com corais e festival de bandas. Pondo no horizonte dessas universidades a execução de políticas públicas numa lógica que não necessariamente se originará de sua dinâmica acadêmica, na qual a extensão universitária surge articulada à pesquisa e não pelo atendimento de demandas imediatas da população e do governo.



Nenhuma das ações propostas pelos articuladores do Consórcio é, em si, ruim. O que é péssimo é um programa que retira das comunidades universitárias, em especial de seus professores e pesquisadores, o protagonismo educacional e científico. Com a inevitável sobreposição de verbas, vigorará uma inclinação aos pontos estratégicos oriundos do governo e das relações entre governo e iniciativa privada, mediada pelos reitores. Outras verbas, como emendas parlamentares e convênios, tenderão a migrar para esses pontos sinalizados de cima.



Quando retirada da lógica da ciência, da educação e da cultura, a direção a ser dada às universidades é tomada por forças estranhas ao desiderato acadêmico. Pela burocracia governamental e ministerial que deseja impor os seus programas e por articulações políticas de atendimento a setores econômicos e sociais. Deixada, claro, ao sabor de votos a serem conquistados e de carreiras a serem construídas, sob o argumento demagógico do desenvolvimento e da inclusão.



Rouba-se a autonomia universitária e com ela a perspectiva crítica da ciência e da cultura. A liberdade acadêmica que deve ser plural e contraditória e não alugada a mutirões para a solução de problemas não equacionados pelos setores do Estado que lhes são pertinentes. A ação da Universidade não pode ser balizada pelo velho método de amansar burro, que alterna a cenoura (verbas e bolsas) e o chicote (a ameaça da penúria), ao alvitre de políticas de governo.



Todas são propostas a ser desenvolvidas, mas as dificuldades de distância e da enorme variedade burocrática, além do papel preponderante de reitores e seus pró-reitores, apontam para uma centralização da direção acadêmica. Tendência que será ainda aumentada pelas já existentes dificuldades de integração das universidades expandidas e dos seus órgãos colegiados.



A própria origem do Consórcio já o denuncia. Na já citada notícia estampada no Portal do MEC, o Consórcio já é dado como realidade, com direito a Aula Magna, a despeito de não terem sido aprovados pelos conselhos superiores das universidades e pouquíssimo conhecidos das comunidades universitárias. Criando-se um fato consumado a ser enfiado goela abaixo daquelas instituições.



Mas o Consórcio de Universidades Mineiras Sul/Sudeste não é mera criação regional. Surge como um modelo de nova relação entre as universidades e o governo federal/MEC. Já foi anunciado o interesse de universidades do Sul do país. Logo as que não quiserem consorciar-se serão excluídas de milhões orientados para tal prática, e ficarão com as já instaladas carências. Instalando-se um novo modelo de relação entre as universidades públicas e o governo. Cenoura e chicote não podem amansar as universidades.



Prof. Wlamir Silva

Historiador

Professor e ex-vice-Reitor da Universidade Federal de São João del-Rei